04/02/2017

PASÁRGADA

José Paes Landim

"Que a mentira deixe de ter vez, que os homens de bem tenham a mesma ousadia dos sem ética, para a construção de um mundo digno do seu destino".
Não são poucos os recantos paradisíacos, esculpidos pela mão do homem, sob as bênçãos da natureza e dos valores que enriquecem a vida, que inspiram tantos ícones do saber, em particular os poetas, que melhor cantam suas belezas.
Um desses recantos, batizado com o nome de Pasárgada – cidadezinha construída na antiga Pérsia – fundada pelo rei Ciro, é o atual Iran, substituto de tão bela civilização, mas, também, palco de tão sérios conflitos nas relações internacionais.
Tomado por forte crise de desânimo, o poeta Manoel Bandeira, na composição de um dos seus poemas, proclamou: “Vou-me embora pra Pasárgada”, onde, certamente, pelos encantos ali vislumbrados, sonhava em se refugiar, gesto que não deixou de simbolizar uma rota de fuga, de evasão de si mesmo.
Pena que não mais se vislumbrem recantos como Pasárgada, pois que, à exceção das belezas naturais, inalteradas em todas as estações do ano, o sonhado ali pelo genial poeta não mais existe, senão em sonhos, já que novas regras, moldadas em outra concepção de valores, impuseram ao mundo outra linguagem: a dos números, sem alma e sem as manhãs que emolduram nosso dia a dia.
É a linguagem que nos estarrece com aberrações, como a de que nos fala o fosso existente entre os mais ricos e os mais pobres do mundo, a ponto de 8 cidadãos possuírem a mesma riqueza de 3,6 bilhões de pessoas e 1% dos mais ricos ter, em mãos, patrimônio igual aos 99% restantes, segundo a OXFAM, em seu relatório, publicado em16/01/2017, baseado em dados do Banco Credit Suisse, abismo que, segundo alguns estudiosos, cresce assustadoramente.
Enquanto a democracia é uma palavra aclamada e festejada nos fóruns internacionais, promovidos pelas nações mais ricas, cujas agendas, para o desenvolvimento, são recheadas de promessas com acenos de justiça social e de um mundo para todos etc., o que se vê, a lamentá-lo, é um mundo desumano no que toca à
distribuição de suas riquezas cuja concentração de renda chega ao inimaginável, como se tem a comprová-lo as evidências em apreço.
Perguntaríamos: em que mundo vivemos e a que devemos tamanho abismo? Ter-se-ia, certamente, como resposta, uma discussão em meio a várias teorias, que iriam do capitalismo ao socialismo, com assento no neoliberalismo, porém, a nosso ver, a resposta, como um dos responsáveis maiores pela chocante disparidade social, está na ausência de uma consciência humana, com foco na ética, pois que, se nobres fossem os sentimentos das grandes lideranças do poder, outro seria o mundo, sem a face cruel da discriminação e da dominação.
Que a mentira deixe de ter vez, que os homens de bem tenham a mesma ousadia dos sem ética, para a construção de um mundo digno do seu destino.

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